Conheça as principais propostas de mudanças no Código Civil

16 de maio de 2024

O Senado Federal recebeu oficialmente em 17/4/2024 o anteprojeto do Código Civil elaborado por uma comissão de juristas. A entrega ocorreu no Plenário durante uma sessão de debates temáticos convocada para discutir as sugestões de mudanças e atualizações no conjunto de regras que impactam a vida do cidadão desde antes do nascimento e têm efeitos até depois da morte do indivíduo, passando pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão e herança ( leia mais aqui).

Vejamos as principais propostas de mudanças no atual Código Civil:

Família

Ampliação do conceito de família - Prevê a família conjugal (formada por um casal) e o vínculo não conjugal (mãe e filho, irmã e irmão), que passa a se chamar “parental”

Substitui o termo “entidade familiar” por “família”; “companheiro” por “convivente” e “poder familiar” por “autoridade parental”

Socioafetividade

Reconhece a socioafetividade, quando a relação é baseada no afeto e não no vínculo sanguíneo.

Nota minha: a jurisprudência do STJ e do STF diz que, nas ações de paternidade/ maternidade, o vínculo socioafetivo deve se sobrepor ao biológico, podendo ser reconhecido, inclusive, após a morte.

Reconhece a multiparentalidade, coexistência de mais de um vínculo materno ou paterno em relação a um indivíduo.

Nota minha: modernamente já se admite a multiparentabilidade, fenômeno que ocorre quando se mantem o poder familiar dos pais biológicos, reconhecendo, pela adoção unilateral, o vínculo socioafetivo entre o padrasto/ madrasta e o adotando, coexistindo de forma igualitária, afastando qualquer hierarquia entre os vínculos biológicos e adotivos. O STJ julgou o primeiro caso de adoção unilateral com manutenção de poder familiar em 2019, através do REsp 1410478/ RN (após: 2021, REsp 1487596/ MG e 2020, REsp 1678030/ RJ - STJ).

Já o STF - Supremo Tribunal Federal, ao julgar 0 Recurso Extraordinário RE 898060/ SC, em 2019, paradigma do Tema de Repercussão Geral nº 622: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos biológicos e adotivos (leia mais nesse meu artigo e nesse).

A legislação brasileira autoriza, expressamente, a adoção do filho de um dos cônjuges pelo outro. O artigo 41§ 1º, do ECA trata desta figura de adoção, na qual se altera apenas uma das linhas de parentesco. Por exemplo, o padrasto ou a madrasta pode adotar o enteado mantendo-se o parentesco paterno/ materno. Tal situação existe pelo liame do amor que sem dúvida é criado entre a criança ou adolescente com a sua madrasta ou padrasto ( continue lendo aqui).

Registro/DNA

Prevê o registro imediato da paternidade a partir da declaração da mãe quando o pai se recusar ao exame de DNA.

Nota minha: hoje, na hipótese de filho havido fora do casamento e da união estável, sendo o pai ausente ou recusando-se a registrá-lo, a mãe, no ato de registro, pode indicar o nome do suposto pai ao Cartório, que dará início ao processo de reconhecimento ou de investigação judicial de paternidade, conforme previsto no art.  da Lei 8.560/ 1992 - Lei de Investigação de Paternidade ( leia mais aqui).

Vida

Reconhece a potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida pré-uterina e uterina como expressões da dignidade humana.

Casamento e divórcio

União homoafetiva - Legitima a união homoafetiva, reconhecida em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - Acaba com as menções a "homem e mulher" nas referências a casal ou família

Nota minha: em maio de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar, passando a ter os mesmos direitos e deveres previstos na lei 9.278/1996 ( Lei da União Estável). A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. As ementas estão reproduzidas neste nosso artigo.

Já em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 175/2013, dando efetividade à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando que os cartórios providenciassem a habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre casais do mesmo sexo, inclusive com punição para quem se recusasse ( leia mais aqui).

Divórcio unilateral - Prevê o divórcio ou dissolução de união estável solicitados por uma das pessoas do casal, sem a necessidade de ação judicial. O pedido deve ser feito no cartório onde foi registrada a união. O cônjuge será notificado e terá um prazo para atender.

Nota minha: essa proposta contraria o entendimento do CNJ - Conselho Nacional de Justiça, que proibiu o divórcio "impositivo" ou "unilateral" em todo o país em 31/5/2019 ( leia mais aqui).

Regime de bens - Permite alteração do regime de bens do casamento ou da união estável em cartório; hoje só com autorização judicial.

Nota minha: aos casados é possível a alteração do regime de bens, somente mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges (§ 2º do art. 1.639 do CC e art. 734 do Código de Processo Civil). Já para quem vive em união estável basta ir com seu companheiro (a) ao cartório e requerer alteração do regime de bens na escritura pública de união estável.

Alimentos gravídicos

Cria os chamados “alimentos gravídicos”, pensão que será devida desde o início até o fim da gestação.

Nota minha: hoje já existem os alimentos gravídicos e sua conversão automática em pensão alimentícia. A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração de seu valor ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade. (STJ - Informativo de Jurisprudência n. 0606, de 02.8.2017 - STJ, REsp 1.629.423-SP, e art. 6º, § único da Lei nº 11.804/ 2008 - Lei dos Alimentos Gravídicos) Leia mais aqui.

Reprodução assistida e doação de órgãos

Reprodução assistida - Proíbe o uso das técnicas reprodutivas para criar seres humanos geneticamente modificados, embriões para investigação científica ou para escolha de sexo ou raça.

Nota minha: a jurisprudência do STF e do STJ já tratou da reprodução assistida como: "nova base fática para incidência do preceito"ou outra origem"do art. 1.593 do Código Civil. (...) Os conceitos legais de parentesco e filiação exigem uma nova interpretação, atualizada à nova dinâmica social, para atendimento do princípio fundamental de preservação do melhor interesse da criança. (...) O Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE 898.060/ SC, enfrentou, em sede de repercussão geral, os efeitos da paternidade socioafetiva (...) (STJ, REsp 1608005/ SC) - Leia mais aqui.

Óvulos e espermatozoides - Veda a comercialização de óvulos e espermatozoides.

Não reconhece vínculo de filiação entre o doador e a pessoa nascida a partir do seu material genético.

Doação de órgãos

Dispensa autorização familiar para doação de órgãos quando o doador falecido tiver deixado, por escrito, permissão para o transplante.

Sem manifestação prévia, a autorização poderá ser dada por familiares.

Saúde

Garante o direito de a pessoa indicar antecipadamente quais tratamentos de saúde deseja ou não realizar, caso fique incapaz no futuro.

Barriga solidária

Proíbe a “barriga de aluguel”.

Autoriza a barriga solidária, desde que a gestação não seja possível em razão de causa natural ou em casos de contraindicação médica.

Animais

Seres sencientes - Considera os animais seres capazes de ter sensações e emoções, e com proteção jurídica própria.

Nota minha: " (...) no que pese a legislação os classificar como "coisas" , os tribunais pátrios têm reconhecido que os animais doméstico possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, razão pela qual também devem ter o seu bem-estar considerado "(...). Fragmento do meu artigo " Animais como sujeitos de direitos ".

Indenização - Prevê reparação por maus-tratos e indenização a quem sofra dano moral por problemas com seu animal de estimação.

Nota minha: há julgados em que os próprios animais figuram no polo ativo da ação de reparação por dano moral ( leia aqui).

Despesas - Guarda e despesas de manutenção de animais de estimação podem ser compartilhadas entre ex-cônjuges.

Nota minha: veja aqui, julgados envolvendo a guarda e alimentos para animais de ex-cônjuges.

Bens

Herança - Cônjuges deixam de ser herdeiros se houver descendentes (filhos, netos) e ascendentes (pais, avós). Nesse caso, apenas esses terão direito à herança.

Nota minha: com a entrada em vigor do Código Civil atual (Lei 10.406, de 10/01/2002), dependendo do regime de casamento, o cônjuge/ companheiro sobrevivente é herdeiro necessário do falecido.Por exemplo, no regime mais comum, o da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente é: meeiro dos bens comuns, que são todos os adquiridos onerosamente na constância do casamento ou da união estável (art. 1.829 do Código Civil), e herdeiro dos bens particulares, em concorrência com os descendentes e, na falta desses, em concorrência com os ascendestes do falecido (art. 1829ICC).

Entende-se por bens comuns, os pertentes a ambos os cônjuges e por bens particulares os que cada cônjuge já possuía ao se casar, bem como aqueles recebidos por sucessão (herança) ou doação ( leia aqui meu artigo sobre Inventário e partilha).

Curiosamente, sob o argumento de modernizar a legislação, se está propondo voltar a usar os mesmos termos do art. 1.603 do Código Civil de 1916 - ( leia aqui meu artigo sobre o tema).

Doação de bens - Doações de pessoa casada ou em união estável a amantes podem ser anuladas pelo cônjuge ou por seus herdeiros até dois anos depois do fim do casamento.

Nota minha: essa vedação já existe no atual Código Civil, que consagra o dever de fidelidade e da monogamia, expressamente previstos nos artigos 550 e 793, do Código civil:

Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

Art. 793. É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato.

Leia meu artigo sobre o tema.

Usucapião

Pedido em cartório - Possuidor de imóvel pode requerer diretamente ao cartório — e não mais ao juiz — a declaração de aquisição da propriedade por meio de usucapião.

Rural - Para combater a grilagem, o direito ao reconhecimento de propriedade só pode ser exercido uma única vez. Hoje não há limite na lei.

Urbano - Quem ocupar moradia de até 250m² em área urbana por cinco anos ininterruptos e sem oposição poderá ser seu dono.

Familiar - Quem exercer a posse de um imóvel urbano de até 250 m² que dividia com ex-cônjuge ou ex-convivente que saiu do local por dois anos ininterruptos terá a propriedade integral.

Nota minha: leia meu artigo"Usucapião" para ver como é hoje.

Dívidas e prescrição

Dívidas - Proíbe penhora de imóvel do devedor e sua família se for o único bem que possuírem.

Moradia de alto padrão pode ser penhorada em 50%. A outra metade permanece em posse do devedor.

Nota minha: leia meu artigo "O bem de família sob a ótica do STJ".

Prescrição do direito

Reduz de 10 para 5 anos o prazo geral de prescrição (limite de tempo em que se pode pedir na Justiça o cumprimento de um direito).

Juros

Contratos não podem prever taxas de juros por inadimplência maiores que 2% ao mês.

Empresas

Liberdade contratual - Reforça a ideia de liberdade contratual, principalmente nas contratações em que as partes estejam em igualdades de condições.

Empresa estrangeira - Exige que sociedades estrangeiras tenham sede e representante no Brasil para atuar no país.

Direito digital

Fundamentos - Cria o direito digital, estabelecendo direitos e proteção às pessoas no ambiente virtual.

Garante a remoção de links em mecanismos de buscas de conteúdos que tragam imagens pessoais íntimas, pornografia falsa, e crianças e adolescentes.

Cria possibilidade de indenizações por danos sofridos em ambiente virtual.

Plataformas digitais passam a responder civilmente pelo vazamento de dados e devem adotar mecanismos para verificar a idade do usuário.

Patrimônio digital

Define patrimônio digital como os perfis e senhas de redes sociais, criptomoedas, contas de games, fotos, vídeos, textos e milhas aéreas.

O patrimônio digital pode ser herdado e descrito em testamento.

Sucessores legais podem pedir a exclusão ou conversão em memorial dos perfis em redes sociais de pessoas falecidas.

Identidade e assinatura digital

Regulamenta o uso de assinatura eletrônica.

Reconhece a identidade digital como meio oficial de identificação dos cidadãos.

Inteligência artificial

Exige identificação clara do uso de IA

Exige autorização para criação de imagens de pessoas vivas e falecidas por meio de IA

Fontes: JUSBRASIL. Acesso em: 16.05.2024

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